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Francisco: um papa surpreendente

 

Há dirigentes mundiais que nos surpreendem: uns por ações positivas, acompanhadas de mensagens de esperança, tolerância e solidariedade; outros por atuações negativas, incentivadoras à violência, ao autoritarismo, à arrogância e à discriminação.

Hoje em dia, com a globalização da informação e a liberdade de expressão, a opinião pública facilmente aceita os promotores do bem, da fraternidade e da paz e rejeita os agentes da intolerância, da guerra e da fome.

Um dos líderes mundiais que mais surpreende, positivamente, a comunidade internacional é o Papa Francisco. Não pretendendo endeusá-lo, reconheço, no entanto, que ele trouxe uma “lufada de ar fresco” à Igreja Católica e, por conseguinte, à comunidade internacional.

“Podemos tratar-nos por tu” disse a um jovem estudante de engenharia, numa chamada telefónica efetuada pelo papa, em resposta a uma carta que o moço de 19 anos lhe dirigiu. Stefano Cabizza contou ao  jornal Gazzettino de Veneza: “Rimo-nos e brincámos durante oito minutos. Disse-me que Jesus e os apóstolos se tratavam também por tu. Pediu-me que rezasse muito por ele, deu-me a bênção e senti despertar em mim uma grande força.”

Esta relação comunicacional que privilegia a proximidade do Papa com as pessoas através das modernas tecnologias, como o twitter e o FB, constitui mais uma novidade nos hábitos do Vaticano, no âmbito de lógica do serviço.
Servir significa curvar-se perante o outro para ouvi-lo, como fez Jesus com os apóstolos (no lava-pés)”- disse Francisco, num recente encontro com refugiados que aos milhares chegam a Roma, procedentes de África.

Há poucos anos, a propósito da publicação da encíclica de Bento XVI Deus caritas est, pretendeu-se descristianizar a palavra solidariedade, considerando-a um conceito não cristão. O atual papa, porém, volta a valorizá-la afirmando: “Solidariedade é uma palavra que assusta o mundo desenvolvido”.

Partindo deste conceito humanista, Francisco apela às instituições religiosas para que transformem os conventos em asilos para refugiados.

Acolham os refugiados nos mosteiros e conventos vazios, em vez de transformarem estes locais de culto em hotéis ou pousadas de luxo, pois estes não são locais para a Igreja ganhar dinheiro.” Sabendo-se que, em Itália, a Igreja é a maior proprietária de imóveis, a recomendação pontifícia deve ter abalado muitas instituições.

Está subjacente à nova pastoral do papa argentino a vocação de SERVIR de que Jesus constitui exemplo: “Eu vim para servir e não para ser servido”(Mt 20, 28).

No mesmo sentido se integra a missão de denunciar o mal que destrói a humanidade. Francisco fá-lo com desassombro: “A luta contra o mal, implica dizer não aos ódios fratricidas e às mentiras que os alimentam, dizer não à violência em todas as suas formas, dizer não à proliferação e ao comércio ilegal de armas.

Durante vários anos, o Vaticano encarou algumas questões fraturantes como tabus: o celibato, o divórcio e as uniões de facto, a problemática da natalidade e o ateísmo.

Partindo do princípio basilar da misericórdia e do perdão divinos para com todos, o Bispo de Roma, numa carta enviada ao jornal La Republica, aborda a velha questão da salvação dos ateus deste modo: ”é a consciência de cada um que molda os seus comportamentos. Quem praticar "o bem", mesmo não tendo fé, beneficia da misericórdia de Deus, sem limites.

A mesma conceção teológica leva o papa a afirmar como “um problema grave” a questão da nulidade do matrimónio e as segundas uniões. “O problema não pode ser reduzido à questão de comungar ou não, porque quem coloca o problema somente nestes termos não entende qual é o verdadeiro problema”, disse num encontro com o clero de Roma. E acrescentou: este é “um problema grave de responsabilidade da Igreja, em relação às famílias que vivem esta situação”.

Francisco contrapôs, na ocasião, os “sacerdotes misericordiosos” aos padres rigorosos e negligentes, pedindo que os membros do clero saibam “voltar à recordação do primeiro amor” de Jesus, porque uma Igreja sem memória “não tem vida”. E noutra ocasião, criticou também o escândalo dos “Bispos de aeroporto” que viajam muito e não estão junto das pessoas, acrescentando que o bom bispo deve ser austero, essencial e não um carreirista ou ter uma "psicologia de príncipes".

Algo de novo está ressurgindo na prática e no discurso do Chefe da Igreja Católica.

Oxalá a “nova” mentalidade, baseada no Evangelho de Jesus, penetre as estruturas clericais e laicais e promova a paz, a justiça e a solidariedade entre os homens.

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